O risco da romantização oculta do crime de perseguição (Por Sabryna Martins Ferreira)

Nesse artigo irei discorrer acerca do crime de perseguição, mencionado no artigo 147-A do Código penal. Também chamado de stalking, esse delito é caracterizado pela perseguição, de alguém, reiteradamente, por qualquer meio que ameace a integridade física ou psicológica da pessoa perseguida, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. A pena referente à esse crime é aumentada se cometido contra criança, adolescente, idoso, mulher (por razões da condição de sexo feminino) ou se o crime é praticado mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

No que diz respeito a esse crime, pretendo discorrer quanto a ocorrência de uma romantização do delito e os limites entre opinião e distorção da realidade. Primeiramente, é de suma importância entender que estamos tratando de um crime e nenhum delito deve ser romantizado. Entretanto, por ser um crime que exige a atenção do autor em cada atitude de quem ele persegue, alguns indivíduos se apegam ao cuidado extra do criminoso e sentem que estão sendo “notados”. Esse cuidado em perseguir a vítima não deveria ser visto como uma qualidade e sim como um alerta.

Nesse cenário de distorção da realidade, muitas vítimas percebem tarde demais a situação em que se encontram e o perigo que correm. Além dessa romantização, outro fator que percebo que ocorre e atrapalha a identificação desse crime, é saber quando ele se inicia. A dificuldade em notar o início do delito acontece pelo receio de estar sendo exagerado(a) em se incomodar com atitudes tão “banais”. A vítima pensa, diversas vezes, ser coincidência o criminoso estar no mesmo lugar em que ela está, ou saber muito sobre sua vida, antes de perceber que está, na verdade, sendo vítima desse crime.

Sob esse prisma, podemos trazer o artigo 5° da Constituição Federal de 1988 para analisarmos um direito que faz a vítima ter essa dúvida a respeito das coincidências ou da real ocorrência do crime: o direito à liberdade. Mesmo tendo esse direito constitucional garantido, é importante pensar até onde ele se extende. Considerando o nosso amparo normativo, fica evidente que um dos fatores que limitam a liberdade de um indivíduo é a liberdade de um outro sujeito. Tendo em isso em vista, percebe-se que a esfera de liberdade da vítima é atacada nesse crime, então é um equivoco a vítima pensar que está sendo exagerada, ou imaginar que está simplesmente frente à coincidências, pois, esses acontecimentos que causam a dúvida e a insegurança na vítima, são justamente o que tipificam o delito.

Ainda sobre a romantização do stalking, gostaria de trazer um filme, disponível no Netflix, para tratar melhor o assunto, chamado “Roubo pelos ares”. Nesse filme, um cliente de uma companhia área, durante um voo, se interessa por uma das aeromoças e a chama para jantar, porém, ela recusa o convite e diz já ter um compromisso, visto que iria sair com algumas amigas para uma festa. Durante o evento, ela o encontra, novamente, e diz ao homem que stalking é crime, o que demonstra notadamente o incômodo da personagem.

Ao ir embora da festa, o carro em que a personagem principal estava sofre uma falha, e o homem aparece, “por sorte” para oferecer uma carona à ela, que aceita. Ao chegar na casa da protagonista, a convida para sair, e tem, novamente, seu convite recusado. Após esses acontecimentos, o homem acha uma das redes sociais da mulher e pesquisa nela detalhes da vida da personagem. Após efetuar a pesquisa, a convida para sair, e desta vez ela aceita o convite e o encontra. Durante o encontro dos dois ele pede o champanhe favorito da mulher, e revela ter visto as preferências da personagem em suas redes sociais. Indubitavelmente, o personagem fictício invadiu a esfera de privacidade da protagonista. Entretanto, o filme aborda esse tema como algo romântico, a princípio, e os protagonistas começam a desenvolver um relacionamento a partir dos fatos mencionados.
Começar um relacionamento por meio de um crime, é um ato que demonstra a romantização oculta existente na essência desse delito e, essa abordagem trazida pelos filmes, torna ainda mais difícil perceber a gravidade do crime de perseguição, tendo em vista que os meios de entretenimento são excelentes instrumentos para abordar a realidade de uma forma indireta e considerando-se que eles se baseiam na vida para entreter o espectador. Sob esse prisma, gostaria de mencionar outra obra cinematográfica disponível no Netflix, a série “Você”, que conta a história de Joe, um homem que teve uma infância conturbada e que tem um sério problema: o vício pela prática do crime de perseguição.

Joe parece um indivíduo comum, entretanto, ao conhecer uma mulher, começa a sentir uma extrema necessidade de conhecer tudo sobre a vida dela. Assim, pratica o crime de perseguição, diversas vezes, por diversos meios e com diversas vítimas. Além de praticar o delito classificado como stalking, Joe comete diversos homicídios na série, usando como justificativa para si mesmo o desejo de proteger as mulheres que ele persegue.

Diante do exposto, é preciso que os indivíduos saibam quais são as características do crime de perseguição, mencionadas brevemente no início do texto, e quando estão sendo vítimas ou autores do crime abordado. Nesse cenário, o indivíduo que sofre o stalking, teria a ciência de que está protegida pelo nosso ordenamento jurídico e a segurança de procurar por
ajuda, o mais rápido possível, por conhecer a tipificação do delito e, consequentemente, ter a certeza de que é vítima. Dessa forma, a segurança jurídica seria fortalecida e o crime de perseguição deixaria de ser confundido com coincidências e até mesmo romantizado.

Referências Bibliográficas:
ROUBO PELOS ARES. Direção: Ajay Singh. 2023. Disponível em: https://www.netflix.com/br/. Acesso em: 06 de junho de 2023.

VOCÊ, 2018. Disponível em :https://www.netflix.com/browse . Acesso em: 06 de junho de 2023.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.Acesso em: 06 de junho de 2023.

3 comentários sobre “O risco da romantização oculta do crime de perseguição (Por Sabryna Martins Ferreira)

  1. Anônimo

    Muito bom esse texto, proporciona uma oportunidade de perceber o quanto um comportamento inadequado (crime), que a sociedade tenta naturalizar.

    parabéns!

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