Cogumelos azuis alucinaram o divulgador

Três pessoas entram num bar para discutir determinado assunto. Uma é cientista, outra divulgadora científica e a terceira é jornalista.
Meia hora depois sai a dona, taca fogo no próprio bar com as outras três dentro. Convicta de que Deus de fato existe, entra correndo na primeira igreja que encontra.

Contexto: Hoje esboço algumas palavras sobre o debate que houve no twitter a respeito de um divulgador científico que fez um fio informativo sobre cogumelos mágicos. Eles ficam azuis quando cortados. O rapaz utilizou o termo “envenenamento” para se referir ao efeito da droga no corpo. Tá errado? a rigor, parece que não, mas usuários e pesquisadores no assunto apontaram impropriedades graves no fio, que parece de fato ter feito mais um desserviço na conscientização madura sobre o assunto do que ter feito divulgação científica.

De fato, a mim me pareceu que o tom de trívia, de curiosidade inofensiva, veio a reproduzir moralismo e pânico, na pegada da visão mais reacionária da psiquiatria sobre o assunto, inclusive na defesa de “tratamento” por isolamento em sala escura.

Enfim,

pesquiso drogas sob o ponto de vista da criminologia e do direito penal e processual.

Meu posicionamento pelo fim da criminalização é efeito direto das minhas pesquisas.

Quando o assunto é efeito da droga no corpo, estou muito perto de uma pessoa qualquer. Isto é, sou mais leigo que cientista. Parece algo óbvio, mas não é, pois na internet qualquer titulação acadêmica pode dar a entender nas mentes menos abastadas um aval ou uma cobrança por ser especialista em qualquer outro assunto além daquele da expertise.

Por isso, sempre faço questão de pontuar de onde eu parto, pois sei que o debate sobre drogas gera confusão. É também uma questão de responsabilidade.

Digo: vender drogas não deveria ser crime.
A pessoa entende que eu defendo o uso indiscriminado.

Preciso sempre dizer que, com a descriminalização, devemos criar meios de combater o uso problemático de drogas. Regular é a palavra chave. Mas sou firme em dizer q é grave erro histórico ter deixado esse grande problema na mão da polícia.

No mesmo sentido, saber o que sei sobre o assunto no campo do direito penal não me torna uma voz legítima para falar sobre os efeitos das drogas no organismo e na mente, nem os riscos e meios corretos de se utilizar qualquer droga que seja.

Na grande maioria das vezes, essa responsabilidade é compartilhada no campo da criminologia. Infelizmente, não vejo isso ser reproduzido em outras áreas, especialmente na ala médica, que não titubeia pra se valer da autoridade do jaleco para defender a criminalização.

Acho sensacional ver um debate sobre drogas, seus componentes e efeitos, até porque a criminalização sempre foi inimiga da ciência nessa área.

Mas é importante saber que, em um debate tão multifacetado, termos e colocações sempre vêm carregados. Saber dosar os pesos, portanto, é fundamental, e a pessoa que se propõe a fazer divulgação científica deve ter boa noção de como a mensagem passada reverbera.

A divulgação científica é área cruel da comunicação. E das mais importantes hoje em dia. Por isso costumo defender quem dá a cara a tapa.

De um lado, especialistas precisam urgentemente melhorar no trato com quem divulga. No macro, tendem forte pro lado positivo. Não são raros os casos de hostilidade com quem faz divulgação por parte de quem faz ciência. Fogo amigo no seu mais puro sentido.

De outro, vejo dificuldade em se reconhecer o jogo duplo da comunicação. A perda e a distorção das informações são fatores menores na divulgação. O perigo são as armadilhas, a informação, vestida de divulgação, que municia inimigos da ciência.

Deixe um comentário